A despedida do amor
A despedida do amor
Kátia Cristina
Existem duas dores de amor.
A primeira é quando a relação termina e a gente,
seguindo amando, tem que se acostumar
com a ausência do outro, com a sensação de rejeição
e com a falta de perspectiva, já que ainda estamos tão
envolvidos que não conseguimos ver luz no fim do túnel.
A segunda dor é quando começamos a vislumbrar
a luz no fim do túnel.
Você deve achar que eu bebi.
Se a luz está sendo vista, adeus dor, não seria assim?
Mais ou menos. Há, como falei, duas dores.
A mais dilacerante é a dor física da falta de beijos e abraços,
a dor de virar desimportante para o ser amado.
Mas quando esta dor passa, começamos um outro
ritual de despedida:
a dor de abandonar o amor que sentíamos.
A dor de esvaziar o coração, de remover a saudade,
de ficar livre, sem sentimento especial por ninguém.
Dói também.
Na verdade, ficamos apegados ao amor
tanto quanto à pessoa que o gerou.
Muitas pessoas reclamam por não
conseguir se desprender de alguém.
É que, sem se darem conta, não querem se desprender.
Aquele amor, mesmo não retribuído, tornou-se um suvenir
de uma época bonita que foi vivida,
passou a ser um bem de valor inestimável,
é uma sensação com a qual a gente se apega.
Faz parte de nós. Queremos, logicamente,
voltar a ser alegres e disponíveis, mas para isso
é preciso abrir mão de algo que nos foi caro
por muito tempo, que de certa maneira entranhou-se
na gente e que só com muito esforço é possível alforriar.
É uma dor mais amena, quase imperceptível.
Talvez, por isso, costuma durar mais
do que a dor-de-cotovelo propriamente dita.
É uma dor que nos confunde.
Parece ser aquela mesma dor primeira, mas já é outra.
A pessoa que nos deixou já não nos interessa mais,
mas interessa o amor que sentíamos por ela,
aquele amor que nos justificava como seres humanos,
que nos colocava dentro das estatísticas:
eu amo, logo existo.
Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo.
É o arremate de uma história que terminou,
externamente,
sem nossa concordância,
mas que precisa também sair de dentro da gente.