Pai em causa própria
Bem, é assim que me chamam, e ser esse pai que se espera depende das circunstâncias. Pode ser chamado de meu amor num segundo e odiado por toda a vida. Quando erra é burro, analfabeto, idiota, desocupado, bandido; se lhe falta estudo, é banhado por uma enxurrada de pejorativos. Porém, com dinheiro no bolso, a amnésia toma conta de muitos que os rodeiam, e passa a ser chamado de exemplar, querido, trabalhador, lindo, maravilhoso, assim bajulado, entendem? Se o dinheiro lhe falta, continuará bóia-fria, sonhador, zé-ninguém, flagelado, mendigo, miserável. Até receberá tapinha nas costas, incentivos, compreensão, mas tudo tem prazo determinado, tolerância, limites.
Eis-me aqui, no mundo que lhes abre os braços, de tão globalizado e moderno que exporta pais refugiados, assassinos, cabisbaixos, suicidas, terroristas, políticos, injustos, aflitos, desencorajados, drogados, prostituídos, famintos, trabalhadores, honestos, isso mesmo, ainda têm pais assim.
Não esperem seguir o caminho no qual me aventurei, porque vocês foram feitos para trilhar os que lhes preparei, previamente percorridos, calculados, descalço, para sentir os espinhos, tatear aos abismos e armadilhas, bem sei, mas também um paraíso que compete a cada um construir e modificar. Isso mesmo, esse paraíso é feito com sacrifício. Ser pai é um dom, e não espero que me apontem apenas defeitos diante dos reflexos de suas ações.
Não espero que me cobrem além do que posso lhes dar, só porque tive alguns tropeços nessa caminhada, no auge dos grandes momentos da minha vida quando os vi nascer chorando sem saber por quê. Eu chorei de alegria, confesso, embora em alguns obstáculos eu não tenha conseguido superar, levando-me a separações e prantos que também derramei, de tristeza. Mas se estivéssemos juntos teríamos dificuldades também, ou seja, se um dia chegarem ao podium dos pais, deverão ter alguns pensamentos a respeito, antes de ser avós.
Sou um pai que esqueceu de viver para proporcionar aos meus a vida que não tive, os sabores que não degustei, as roupas que não vesti, os sapatos que não calcei, os sonhos que não alimentei, pelos compromissos da infância e da juventude, estendidos no amadurecimento que se cansa, nesse tempo que não perdoa, do qual se tira pão de pedra, suor de lágrimas derramadas e não se pede clemência a Deus, para ser honesto, compromissado com o futuro, com a educação e a alegria. Minha infância não gerou inflação. Para ser sincero, nunca vi um lápis cedido pelo avô de vocês, para me dar alegria, condições de estudo, mas estou aqui, participando de seus exercícios, querendo saber como estão nos estudos, na vida, nos sentimentos, e espero que modifiquem essa situação com meus netos, porque não deixei de amar meus pais, tampouco de ser um filho obediente.
Ser pai não é assim tão fácil, desses que nascem a cada dia, sem compromisso, sem pensar, de instinto animal, pois nem sempre se mergulha em lençóis diante da maciez de um corpo lindo e quente e faz o amor que lhes traz à luz da vida. Ninguém sabe a dor de um pai, o vazio na alma nesta vida ingrata, de interromper o sono pela madrugada, buscar alimento, pedir ajuda para o filho doente que chora, porque não pediu para nascer, checar a geladeira, supri-la, trabalhar e encarar carranquices do chefe, calcular imposto de renda, gratificação natalina, férias, não para viajar ou aproveitar a vida, como dizem, mas para pagar todas as contas dos gastos com sua criação, que se avolumam cada vez mais, tornando-me escravo desse sistema, e isso não é lazer, como o fazem em seu cotidiano descomprometido. Até peço a bênção de vocês para suportar, voltar à noite, exausto, amar, sorrir, planejar, sonhar com dias melhores, com aumento de salário, e ter a garantia que sou um pai. Sei que a vida não é apenas isso, deve existir uma razão maior para se ter alegria e paz, sem esses recursos que o homem criou.
Então, que venham as compensações. Todo relacionamento a dois deveria prosperar com a mesma saúde do primeiro encontro, do primeiro beijo, com a mesma ousadia de um namoro arriscado, que termina no altar com doces confissões de somente a morte separar aqueles que se unem. Como não existe uma vacina contra o pecado ao doente que recusa um tratamento com Deus, ele se dissemina de tal forma que a sensação é de pleno vigor, de alegria e de constante transformação. Essa doença se espalha, e faz o mal chegar em casa primeiro que o morador, então vasculha as dependências, necessidades e se especializa em formar jovens casais doentes e desestimulados. Mas acreditem, lutem, procurem seu verdadeiro valor, uma pessoa certa em sua vida, para formar sua família.
Uma sociedade moderna não se mantém presa a tabus ou conceitos retrógrados, pois se o dever de casa já foi experimentado pelos pais, cabe aos filhos uma solução mais emergente. Chamam simplesmente ficar, dar um tempo, sair, e desconhecem a caretice de um namoro linear, se a doce sensação do pecado, quer seja com o namorado da melhor amiga, ou da mulher do irmão é mais atraente e emocionante.
Desde a juventude vim pedindo a Deus uma mulher que me amasse, que me correspondesse, que me fosse carinhosa, dessas cheias de loucura, para eu compreender que, embora tendo essa pessoa ao meu lado, devo também gostar mais de mim, assinalando todos os quadrinhos vazios das minhas interrogações, agora com idéias maduras para não cometer os mesmos erros e saber valorizar e aceitar as pessoas como elas são. Um pouco de experiência aqui, cabeçadas ali, e aos poucos vamo-nos permitindo, de corpo e a alma às mudanças que não acontecem quando apenas um quer, mas quando os dois se tornam um.
Bem, falar de pai não é mesmo fácil, mas acreditem, apesar de todos os defeitos e qualidades, todo pai é um sujeito que se orgulha, que batalha, que planta sementes pela vida afora na esperança de que todos os choros sejam sempre a mesma alegria da sensação de um filho no colo.